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Silvinha da Silva

Silvinha da Silva empinou a cabeça, encarou a criançada, falou quente: “Quero fossa não, pessoal. O pai docês se foi pra melhor, mas a mãe tá aqui pra garantir o rango”.
         
Tonico, o pai, sofrera desastre, a jamanta despencara na pirambeira, o coitado morrera de susto antes mesmo de remorrer prensado na cabine. Sorte da família que o caminhão dava conserto e o seguro cobria. Então Silvinha derramou sofrimento até a hora do enterro, mas depois enxugou a mágoa, jurou que de fome ninguém iria padecer na casa dela.
         
Mulher doçura na hora do carinho, dera nove filhos ao Tonico. Mulher raçuda na hora de peitar os desafios da vida, prometeu aprender a guiar a jamanta, enfrentar a estrada, arrancar na marra o sustento da prole.
         
No para-choque a frase-grito: “Se segura que lá vai eu!”. Lá ia Silvinha, fé em Deus e pé na tábua, sobe morro, desce morro, vira curva, os braços potentes domando o baita no asfalto, o rádio ligado tocando as modas da moda.
         
Se meter com ela era caçar encrenca feia. A fama da moça começou logo a correr: derruba cinco bambambans numa só pernada, vence qualquer campeão na queda de braço. “Lenda que eles inventam”, dizia ela, “mas deixa que é bão… assim eles me respeitam mais”. Ninguém ousava assaltar Silvinha. Um, que tentou, levou tamanha canivetada no umbigo que quase desparafusou as vergonhas.
    
Rolado, porém, um tempo, Silvinha deu de pensar em se casar de novo, só que ia escolher com rigor: homem pra ela não podia ser qualquer um; tinha que ser de Tonico pra melhor, um cara bem-apessoado e direito, caminhoneiro como o falecido, de preferência bom assador de churrasco. Se aparecesse um nos moldes, topava amarrar com ele os lençóis.
         
Conheceu Zé Marimbondo, ex-peão de rodeios, agora cinquentão pacato, criador e negociante de cavalos. Se ele aceitasse pegar no volante, se casariam. Boa lábia, Zé convenceu a mulher a mudar de ramo: “A gente vende o caminhão, compra mais terra vizinha da que eu tenho, aí a gente monta uma criação maior… será que teria vida melhor?”
         
Silvinha resmungou, teimou, tomou uns goles, não resistiu. Zé Marimbondo tinha jeito de mexicano, o chapelão sombreando fartos bigodes, violeiro de voz macia, bastou serestar pra ela numa noite de lua grande e Silvinha se derreteu de vez. “Vou buscar a criançada em Santa Violeta, volto em duas semanas com os trens de sala, quarto e cozinha; aí a gente vamos no padre e no cartório. Mas olha que sou mulher ciumenta. Abusa não, que tem pancadaria”.
         
Vendido o caminhão, começaram vida nova. Silvinha, inquieta, lá um dia quis aprender a montar. Em pouco tempo ganhava longe do marido; burro chucro que o assustava, ela amansava em dois ou três galopes. Zé Marimbondo avexou, complexou, definhou, deu de beber, morreu. Silvinha da Silva, com mais dois filhos nas costas, chamou de novo a garotada, empinou a cabeça, falou quente: “Tem fossa não, pessoal. A mãe docês garante o rango”. Um ano depois comprou mais terras, partiu pra grande pecuária. Já tem gente até querendo lançar Silvinha pra prefeita.

A. A. de Assis
Foto – Reprodução

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