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Fé, ciência e poesia

Faz já bastante tempo. Foi num almoço em companhia de um amigo que se dizia ateu. Ele médico, portanto habituado a se apoiar na ciência; eu poeta, portanto guiado mais pela intuição. De repente a conversa, até então descontraída, virou papo-cabeça e acabou entrando na velha polêmica evolucionismo versus criacionismo.  

     O amigo médico, homem de vasta cultura, recordou com detalhes a teoria conhecida como darwinismo (hoje se fala mais em neodarwinismo), a qual, baseada nos princípios da seleção natural e da ancestralidade comum, procura mostrar como ocorre a evolução das espécies.

     Charles Darwin, naturalista, biólogo, etólogo, taxonomista, geólogo, ecólogo, partia da ideia de que os organismos mudam ao longo do tempo e de que o meio, por ação natural, seleciona os mais adaptados. Deixou assim uma valiosa contribuição para o progresso do conhecimento.

     Perguntei: Mas qual a diferença básica entre evolucionismo e criacionismo? O amigo médico me surpreendeu: “Trocando em miúdos, evolucionistas e criacionistas pensam e dizem quase a mesma coisa; a diferença está praticamente apenas na maneira de narrar os fatos. Darwin fala como um professor, um cientista; o autor bíblico, no caso Moisés, fala como um profeta/poeta. A ciência faz o papel da ciência: tenta entender e explicar os fenômenos da vida. A fé acredita e afirma que tudo o que existe tem como princípio um Criador – Deus”.

     No final da conversa, mesmo se dizendo ateu, ele acrescentou: “A narrativa bíblica, muito bonita, descreve metaforicamente a formação do mundo, desde o ‘Fiat lux’ até a capacitação do ser humano para a função de protagonista da história. Um belíssimo poema”.

      Belíssimo sim, respondi. Na minha avaliação, a protofonia do Gênesis é um dos mais belos textos da literatura. Até me atrevi a reproduzi-lo em versos. Peço licença para lhes mostrar:

      – Deus, no princípio, descerra / o palco da criação: / cria o céu e cria a terra / e enche de luz a amplidão. / Cria as águas e as reparte / em rios, lagos e mares, / e com ternura e com arte / cria os bosques e os pomares.

     Coloca milhões de estrelas / na abóbada imensa e nua, / e acende no meio delas / o sol e em seguida a lua. / Faz que as águas se povoem / de peixes – grandes, pequenos, / e manda que as aves voem / com seus festivos acenos. / Num outro gesto ele faz / aparecer sobre a terra / toda espécie de animais: / os da planície e os da serra. / E é nessa alegre paisagem / que Deus finalmente lança / alguém que é a sua imagem, / sua própria semelhança.

     “Façamos – diz o Senhor – / o homem; e a companheira / com quem partilhe o esplendor / e a graça da terra inteira.” / Cria-os Deus na excelência / da justiça e da verdade, / e dá-lhes a inteligência / e a vontade e a liberdade. / Dá-lhes a luz, o calor; / dá-lhes o ar, o alimento; / dá-lhes o aroma da flor; / e a chuva e o luar e o vento. / E lhes confere o poder / de ter o mundo nas mãos; / e a missão de conceber / um grande povo de irmãos.

A. A. de Assis
Foto – Reprodução

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