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Abaixo a gravata!

Seu Neco Bombocado era fiscal da prefeitura na cidade dele. O apelido “Bombocado” vinha dos tempos em que, como bico, abrira uma lojinha de doces caseiros, depois fechada porque só dava movimento no mês da festa do padroeiro.

     Solene figura aquele Seu Neco Bombocado, sempre de terno, gravata e chapéu, fiscalizando as ruas em cima de uma bicicleta. Dizia-se que não tirava a gravata nem para dormir, tão fundamental era para ele o nobre adorno.     

     Imaginem, pois, a aflição do elegante servidor no dia em que um novo prefeito do município decidiu abolir o uso da gravata na função pública. Homem de hábitos radicalmente informais, criado em fazendas e zeloso de sua condição de líder popular, o novo burgomestre a primeira coisa que fez foi baixar decreto acabando com o chamado “traje oficial”. Nisso recebeu total apoio do seu secretário, um irreverente poeta, famoso pelas suas camisas extravagantes.

     Abaixo o paletó! Abaixo o colete! Abaixo a gravata! E o decretado estripetise deveria começar pelos fiscais, que conviviam mais de perto com o povo. Governo de portas e camisas abertas, liberto das burocracias e afinado com os hábitos descontraídos da operosa população municipal. Abaixo a elegância padronizada!

     Inconformado, Seu Neco Bombocado pediu audiência ao prefeito. Queria que lhe fosse permitido ser a exceção, pois que toda regra tem alguma. Ele não saberia viver sem o terno e a gravata, complementos indispensáveis de sua imagem pública e privada.

     O alcaide lamentou, mas não podia abrir precedente. O secretário reforçou a firmeza do chefe: “Dura lex sed lex”. Seu Neco tivesse paciência, fizesse um sacrifício, mas aposentasse  a gravata e o paletó imediatamente. Afinal, regras são regras.

     O fiscal chegou a pensar em pedir demissão. Segurou o pedido na ponta da língua, mas somente porque precisava demais do emprego, despesa grande em casa, os filhos na escola, tinha que engolir o desaforo.

     A que humilhações se submete um chefe de família… Imagine ele, o famoso Neco Bombocado, sair às ruas de peito aberto e braços nus.

     Foi a uma loja, comprou sua primeira camisa-esporte. “Mas sem frescuras de estampas e bordadinhos, porque sou homem sério”, exigiu.

     Porém no primeiro dia de fiscalização desengravatada Seu Neco adoeceu: o pescoço, desabituado ao vento, justo naquele dia um vento sul traiçoeiro…  Foi pra cama curar o resfriado, que virou bronquite, e de bronquite virou pneumonia. O prefeito soube do caso, ficou comovido, resolveu visitar o honrado servidor. Encontrou-o todo encolhido, embrulhado num pijama de flanela. Ah, sim… e de gravata. 

A. A. de Assis
Foto – Reprodução

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