
Primeiro que tudo será de bom proveito deixar explicado que Seu Ciço era de batismo Cícero, tal que nem Seu Efe era, de batismo, Filisberto. Porém carece um adendo: é que na porteira da fazenda de Seu Filisberto havia um “F” enorme, daí que o povo achou por graça chamá-lo assim – Seu Efe.
Eram os dois fazendeiros mais importantes do município, além de chefes políticos. Mais ainda: rivais em tudo, desde garotos, quando disputavam a preferência da mesma menininha, a qual contudo no final preferiu um terceiro. Pra botar mais pimenta na polenta, um dos filhos de Seu Ciço se apaixonou por uma das filhas de Seu Efe, pra desgosto e espanto da parentada toda.
Seu Ciço era fidelíssiimo seguidor do então presidente Getúlio Vargas, do qual Seu Efe era ferrenho opositor. Metade da população acompanhava Seu Ciço, a outra metade seguia Seu Efe.
Só que que no meio de um entrevero mais acaloroso o clima chegou a tal ponto que os dois chefões se desmiolaram de vez e acabaram por se desafiar para um duelo (mais exatamente uma briga) na praça central da cidadezinha. Representados por emissários, combinaram detalhes e regras. Seria num sábado, às 10 horas da manhã, mediante chicotes.
Chegado o dia, o local da refrega encheu de gente. Na horinha porém do acerto de contas, se deu uma grande surpresa: apareceu alvoroçante na esquina uma banda de música, vindo logo atrás dois carros de bois, um trazendo a noiva, outro o noivo – a filha e o filho dos velhos rivais.
Foi tudo um engenhoso arranjo do padre Nel, que, caprichosamente paramentado, subiu num caixote e falou ao povo: “Caríssimos e caríssimas, vocês vieram ver um espetáculo de brutalidade; no entanto, ao contrário, vão testemunhar uma belíssima cena de amor. Serão aqui sacramentadas as núpcias de duas pessoas muito queridas: o jovem Cicerinho e a senhorita Morgada”.
Dirigiu-se em seguida diretamente aos pais irosos: “E vocês, seus velhos cabeçudos, parem com essa birra idiota, joguem fora esses relhos ridículos e venham os dois aqui abraçar e abençoar os noivos”.
Deu certo. Os dois homões se debulharam em lágrimas… e em ata se pôs a fábula.
Bem talqualzinho o meu avô me contou uns muitos anos depois.
A. A. de Assis
Ilustração: I.A / ChatGPT