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Relacionamentos de conveniência: quem é o outro para mim?

Quem é o outro para mim? Quem é a outra pessoa para você? Quando falo “o outro”, falo de um ser humano que não é você, mas com o qual você convive. Esse outro pode ser seu amigo, colega de trabalho, o chefe, a amiga que está sempre com você, o namorado, marido etc.

Quem é essa outra pessoa? O que ela significa pra você? O que você espera dela? O que você busca nessa pessoa? Qual papel ocupa na sua vida? Qual a utilidade que essa pessoa tem na sua vida?

A discussão é um tanto filosófica, mas é essencial. A reflexão toca num ponto importante: o que as outras pessoas realmente representam para você? O que representam para mim?

Somos egoístas. E egoístas como somos, o outro quase sempre é objeto de nosso desejo. Um desejo de utilidade. Queremos que as pessoas cumpram funções em nossa vida. Cada pessoa deve ter o seu papel. Papel que projetamos e que o outro deve desempenhar adequadamente; do contrário, é descartado de nossa vida – como um objeto qualquer que deixou de ter valor.

Num tempo de amor líquido, os relacionamentos são relacionamentos de conveniência. Até amigos são amigos apenas enquanto forem úteis aos nossos interesses.

Acontece que o outro existe. O outro tem sentimentos. O outro também sofre como sofremos, sonha como sonhamos… O outro é como nós. É um de nós.

Portanto, por que vejo no outro alguém que deva servir aos meus interesses?

É verdade que num planeta que caminha para ter 8 bilhões de habitantes, posso me sentir no direito de me relacionar com pessoas com as quais simpatizo, com as quais tenho afinidades e os mesmos ideais.

E isso não é ruim. Precisamos escolher bem as pessoas com as quais convivemos. Devem ser confiáveis e nos ajudar a crescer como humanos. Mas crescemos, de fato, na diferença. No ser acolhido, mas também no acolher. No ser abraçado, mas também no abraçar.

Porém, em tempos líquidos, não é assim que funciona. Escolhemos nos relacionar com aqueles que se prestam a atender as nossas necessidades.

Ao longo dos anos, aprendi no convívio com uma dessas pessoas raras, únicas, que as relações não devem se basear na utilidade. Não devo tratar bem apenas porque a pessoa me é útil.

Lembro de diálogos do tipo:
– Por que trata bem essa pessoa? Não seria por que precisa ou vai precisar de um favor?

Ou ainda:
– Você notou que só dá atenção para as pessoas quando elas são importantes?

A gente faz isso. E com muita frequência. Usamos nossas habilidades para nos fazer queridos pelos que podem nos ajudar hoje ou amanhã. Ou quando queremos conquistar alguém. Depois da conquista, revelamos todas nossas contradições, mal humor, desapego, nosso egoísmo.

Sabe, tenho uma certa birra do tal networking. Networking é uma palavra usada para designar as boas relações que estabelecemos com pessoas que podem nos ajudar profissionalmente. Sim, esse tipo de contato funciona. Porém, a rede de contatos profissionais, por vezes, é baseada em relações falsas, hipócritas. O sujeito busca tornar-se próximo de pessoas tão somente pelas possibilidades profissionais que podem ser abertas a partir desses contatos.

É algo necessário? Sim, mas, convenhamos, é a institucionalização da falsidade. Muita gente faz caras e bocas para pessoas com as quais sequer trocaria uma única palavra não fossem as posições que ocupam. Trata-se de um jogo de interesses em que não há inocentes. Porém, não deixa de ser um “toma-lá-dá-cá”.

Não creio que deixaremos de ser assim. Faz parte da natureza da sociedade contemporânea. As relações são baseadas em interesses. No profissional e no afetivo. Porém, é uma pena que sejamos tão mesquinhos.

Eu luto para não ser esse tipo de pessoa. Também espero que você não seja esse tipo de pessoa. Afinal, a grandeza do homem/mulher está justamente na capacidade de reconhecer no outro qualidades, virtudes e contradições também presentes em si mesmo. E ainda assim amar o outro pelo que o outro é, não pelos favores que se obtém dele.


Ronaldo Nezo
Jornalista e Professor
Especialista em Psicopedagogia
Mestre em Letras | Doutor em Educação

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